Após apenas 8 rodadas de campeonato, os atleticanos já começam com a sensação de déjà vu de tantos anos anteriores: vamos brigar o campeonato inteiro e escapar do rebaixamento só nas últimas rodadas.
Não foi sempre assim. Quem tem hoje 30 anos viveu seus primeiros 20 reclamando só do Galo morrer na praia. Durante as décadas de 80 e 90 ganhamos mais de metade dos Estaduais. Fomos o time que mais chegou entre os 4 primeiros do Brasileiro, não tendo conquistado alguns deles por muito pouco. Ganhamos 2 títulos continentais de importância. Éramos respeitados internacionalmente como uma das grandes potências do futebol brasileiro. O número de títulos relativamente baixo, todos concordavam, não fazia jus à bela história atleticana.
Há cerca de 10 anos, a coisa mudou radicalmente. Ganhamos 2 dos últimos 10 Estaduais. Não ameaçamos ninguém em nenhuma competição fora disso: Copa do Brasil, Sul-Americana, Campeonato Brasileiro. Não fomos sequer a pedra no sapato de ninguém.
A coisa começou como uma fase ruim e foi se estendendo. 10 anos são exatamente 9 anos a mais do que "uma temporada ruim". Quando a má fase ultrapassa alguns meses, não pode ser atribuída ao azar. Vamos reconhecer: somos agora um time mediano, um time que não assusta ninguém. Saímos da galeria dos grandes do Brasil e do mundo e caímos pra galeria dos perigos ocasionais no Brasil. Antes tínhamos medo de grandes times em grandes momentos. Agora qualquer time de nome nos assusta.
O que aconteceu?
Jogadores ruins? Técnicos medíocres? Má administração? Esses são problemas que podem justificar um mau resultado, uma temporada ruim ou uma fase ruim. 10 anos são muito mais do que isso. Esses 10 anos são 4 presidentes, dezenas de técnicos, centenas de jogadores, milhares de adversários. A massa atleticana está chegando num ponto de frustração inédito; pior ainda do que o vergonhoso rebaixamento de 2005. Pior porque lá se vão quase 6 anos daquela tragédia, e o Galo ainda não voltou à nata nacional à qual sempre pertenceu.
Temos, então, que parar um pouco, dar uns passos pra trás e olhar a coisa de longe. Há um panorama geral mais preocupante, mais urgente de ser resolvido do que uma simples troca de jogadores ou de técnico é capaz de resolver.
Este é o diagnóstico que faço:
De todos os esportes coletivos populares do mundo, acho que é no futebol que o conjunto tem mais preponderância sobre o indivíduo. Se juntarmos 5 excelentes jogadores de basquete do mundo, eles provavelmente serão imbatíveis após alguns minutos jogando juntos. Se juntarmos 11 excelentes jogadores de futebol, sem treino eles não conseguem ganhar de nenhum time mediano bem entrosado.
João Saldanha foi o responsável por montar a que é comumente reconhecida como melhor seleção de todos os tempos: a Brasileira de 1970. Foi contratado em 1969, e logo na primeira entrevista coletiva anunciou a Seleção: 11 titulares e 11 reservas (canarinho o cacete; eram feras). Da Seleção só sairiam por lesão grave. O time é este e ponto final. Por questões políticas não dirigiu a Seleção na Copa em 70, mas o time era basicamente o mesmo. O resultado foi um futebol que, tenho certeza, dá inveja até hoje a qualquer seleção campeã mundial.
A importância do conjunto no futebol é fácil de explicar: fora algumas jogadas geniais de jogadores ímpares, toda partida e toda jogada depende de troca de passes. Curtos ou longos, rápidos, sorrateiros, na frente. Na defesa, a marcação depende da comunicação rápida, do pensamento coletivo quase inconsciente que a equipe adota pra cercar o adversário e tirar os espaços de jogo. Por melhores que sejam os indivíduos, não há time sem conjunto, sem entrosamento, sem conhecimento e uma certa intimidade entre as pessoas em campo.
Agora vamos olhar o Atlético titular que entrou ontem em campo contra o Ceará. Fora Serginho e Renan Oliveira, da base, o jogador há mais tempo no Galo é Leandro, que há 1 ano e meio oscila entre titular e reserva. O 2º com mais tempo de casa é Réver, no Galo há 1 ano, que nem do Galo é. Todos os outros 7 jogadores estão no Galo há menos de 6 meses. Roger é profissional há 2 semanas e Caio chegou no time há 3.
O problema não é de agora. Basta vasculhar as escalações de anos anteriores pra ver que a fórmula se repetiu ao longo desses 10 anos. O maior, e provavelmente único, ídolo recente é Diego Tardelli. Ficou tempo suficiente pra criar uma relação de amor com o clube, pra vibrar e sofrer no sangue junto com o Galo. Sua passagem por aqui durou... 2 anos.
Não precisamos ir até a década de 70 pra ver histórias diferentes. O Marques ficou 6 anos no Galo durante sua primeira passagem. Paulo Roberto Prestes foi nosso lateral direito durante 12. E não precisamos falar só de ídolos. Lincoln, que nunca produziu muito, ficou 5 anos. Ronildo, jogador pouco importante, ficou 4. Bruno, lateral direito que não sabia cruzar, ficou 6 anos aqui.
Além de conjunto, há outro elemento essencial na qualidade técnica dos jogadores: vontade. E isso tem a ver com o respeito e a vivência que o jogador tem com a camisa que veste. Qual a relação que esses jogadores que entram e saem do Galo desenvolvem com o time? O que eles perdem se o Galo afundar? Duvido que metade deles saiba qualquer coisa da nossa história. Boa parte deles continua chamando o Galo de "Atlético Mineiro"...
Alguém poderá dizer: "é natural que o time que não vai bem dispense e contrate jogadores até chegar no lugar". Vejamos, então, o time do Galo ao fim da vitória contra o Goiás há pouco mais de 1 ano e meio, quando o Galo chegou bem na reta final do Brasileiro, com reais chances de título: Carini; Carlos Alberto, Werley, Benitez e Wellington Saci; Renan, Corrêa, Evandro e Ricardinho; Alessandro e Diego Tardelli. Desses 11, apenas o Werley, péssimo zagueiro, continua no nosso elenco. Não era um time excelente, mas era muito melhor que o que temos hoje. Dessa partida até hoje se passaram apenas 20 meses.
O que levou essa turma toda embora? Dinheiro? Nosso time atual é mais caro do que o daquela época. Qualidade técnica? Talvez isso se aplique a 1 ou 2. O presidente - o homem responsável por tudo - era o mesmo de hoje. Que necessidade é essa de dispensar e contratar incessantemente? Durante a era Kalil, que começou há 2 anos e meio, o Galo já passou por 5 desmanches de elenco. O Brasil todo viu o Galo do ano passado: excelentes jogadores, nenhuma liga. Nenhum comprometimento e nenhum entrosamento. Brigamos pra não cair tendo um dos melhores elencos do país.
Não estou falando que dispensas e contratações não são necessárias. Com muitas delas eu concordo. Mas não há time no mundo que seja capaz de se portar razoavelmente em campo sendo recriado incessantemente - como o Galo tem sido nos últimos vários anos.
O fato é que há uma força que domina o Galo, e não falo de forças sobrenaturais. Há fortes interesses por trás de tanta contratação e dispensa. Há tempos o Galo não compra 100% de um jogador: tem sempre investidor envolvido. 2 dos maiores nomes recentes do Galo, Obina e Réver, nem do Galo foram. E há tempos o Galo não lucra 100% com uma venda. O Marques ficou 6 anos no Galo, é quem é que faturou alto durante esse tempo? O Marques, o Galo e a torcida. Só. O vai-e-vem de contratações não beneficia nem jogador, nem clube, mas é fonte de renda e de alegria pra empresários, investidores e alguns dirigentes.
O Sr. RG, cujo nome eu me recuso a escrever, foi extremamente tosco na exploração do Galo enquanto presidente, nos levando à 2ª divisão. Hoje ele está tão presente quanto antes, mas um pouco mais cuidadoso. Ele continua sendo um homem extremamente sério com seus negócios, e tem suas prioridades bem definidas. Enquanto isso, o Galo só se ferra.
O Sr. Elias Kalil, grande atleticano, dizia: o Clube Atlético Mineiro é um trem, e o time é a locomotiva.
Há 10 anos, nossa locomotiva está encostada na oficina, trocando peças incessantemente. O fabricante das peças fatura alto. A locomotiva não anda.
O problema do Galo é sistemático, não é atual. Não é trocar o técnico, mandar uma barca embora e trazer outra que vai mudar isso. Muito pelo contrário...
A quem interessa que a locomotiva ande? Ao torcedor. O Sr. Alexandre Kalil, ao que parece, não perde o sono com isso. Já deixou de ser torcedor há muito tempo. Infelizmente.